sexta-feira, 19 de março de 2010

O que nos dizem as rochas algarvias?

Geóloga de Lagos estuda “pedras” com milhões de anos para evidenciar “falhas” do passado e presente.
Há cerca de 65 milhões de anos, o Algarve foi palco de um gigantesco fenómeno natural que terá modificado a linha de costa. A geóloga Beatriz Oliveira, que recentemente lançou o Roteiro Paleontológico da Praia de Porto de Mós, em Lagos, explica que se terá tratado de uma subida súbita do nível do mar ou de um grande movimento das placas tectónicas. Após a “leitura” das rochas, que é a única maneira de sabermos o que se passou num passado longínquo, Beatriz Oliveira lança um aviso para o futuro: a verdadeira ameaça hoje em dia não é a natureza, mas sim a ocupação humana nas zonas de risco.
As rochas são como um livro para os geólogos. “Contam o que se passou há milhões de anos e são a única fonte fiel e credível que temos para estudar o que aconteceu no passado”, adianta Beatriz Oliveira.
A geóloga, que está ligada ao Centro de Ciência Viva de Lagos, lançou recentemente, com o apoio da autarquia lacobrigense, o Roteiro Paleontológico da Praia de Porto de Mós, um dos locais mais emblemáticos do concelho.
“Trata-se de uma praia que é um excelente mostruário do ponto de vista geológico”, revela a especialista, frisando que aqui se encontram rochas de diversos períodos da história da Terra, remontando as mais antigas a 250 milhões de anos!
Além disso, Beatriz Oliveira salienta que naquele local “é possível encontrar exemplos de falhas que deslocam as camadas de tal forma que rochas mais antigas (Cretácico) estão ao lado de rochas mais recentes (Miocénico)”.
A única forma disto ter acontecido, adianta a geóloga, é ter sucedido um grande fenómeno natural, que “fez desaparecer vestígios nas rochas relativas a um período de 40 milhões de anos”.
“Trata-se de uma enorme falha geológica que é muito fácil de constatar nas rochas da Praia de Porto de Mós, mas ainda não sabemos ao certo o que se terá passado na realidade”, comenta. Ainda assim, Beatriz Oliveira adianta algumas das teorias que podem explicar esta importante lacuna que terá modificado por completo a paisagem...
O que se terá passado há 65 milhões de anos?
A primeira teoria está relacionada com “uma súbita subida do nível médio do mar”, uma vez que o nível da água controla a evolução do litoral, nomeadamente a situação do avanço ou recuo da linha de costa.
Outra teoria aponta para a ocorrência do fenómeno oposto, ou seja, uma regressão, isto é, o mar pode ter recuado e ter acelerado o processo de erosão.
Existe ainda outra teoria, que defende a possibilidade de ter ocorrido uma subida das rochas, provocado por “um movimento tectónico muito grande, que pode estar relacionado com a deslocação das placas africana e euro-asiática no Cretácico superior (há cerca de 65 milhões de anos) ou até com a deslocação dos próprios continentes”.
Teorias à parte, Beatriz Oliveira realça que a praia de Porto de Mós, bem como muitos outros pontos da costa algarvia, atravessaram, comprovadamente, “fenómenos muito complexos a uma escala temporal na ordem dos milhões de anos”.
Mas será que a costa algarvia ainda está a movimentar-se? A resposta da geóloga é positiva. “A existência desta falha provocou, e continua a provocar, movimentos nas arribas”, sublinha.
As grandes “falhas” do presente
Mas, como se não bastasse a erosão natural, Beatriz Oliveira alerta para os efeitos nefastos da acção humana nas zonas de risco, nomeadamente no topo das arribas, onde já são visíveis diversas fissuras devido à ocupação desregrada.
“Um pouco por todo o barlavento algarvio é possível observar a presença de pequenos leixões (buracos nas rochas) que são a prova de que existe erosão da linha de costa, que também provoca a formação de pequenos algares”, refere.
A geóloga vai mais longe afirmando que a erosão costeira sempre existiu e sempre existirá, “mas só constitui um verdadeiro problema quando existe ocupação da faixa costeira”.
“Infelizmente, existe demasiada pressão em determinadas falésias. A ocupação humana está vulgarizada um pouco por toda a costa, mesmo em zonas de risco muito elevado, o que poderá ter consequências bastante graves no futuro, nomeadamente o risco de derrocada de casas localizadas perto do topo das arribas”, alerta.
Face a esta situação, Beatriz Oliveira adverte que “as arribas não precisam de ajuda do homem para cair”. “A pressão causada pelos fenómenos naturais já provoca muita erosão: força do mar, chuva, vento e a própria vegetação que vai abrindo fendas nas rochas”, evidencia.

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